A Eternidade do Professor Joelito

 

Era março de 1985. Depois de um ano muito duro estudando num curso pré-vestibular em Salvador e tendo sido aprovado nos vestibulares de Agronomia na UFBA e Medicina na Baiana, decidi ir contracorrente. Em meio à forte pressão para escolher o curso de maior validação social, parti para visitar Cruz das Almas, aonde pretendia residir.

No ônibus da Empresa Viazul havia um grupo de paulistas – jovens turistas que viajavam para Valença. Começamos a conversar. A viagem era longa, durou quase cinco horas, passamos por Santo Amaro, Cachoeira, São Felix e Muritiba. Ainda fomos brindados com a espera da manobra do trem na Ponte Dom Pedro Segundo, sobre o Rio Paraguaçu – um tédio para a rotina dos  que usavam frequentemente aquela travessia, mas uma festa para nós, jovens universitários. Falo assim porque passei a me sentir imediatamente como um deles. Aquela viagem, com aquele ambiente tão animado e diverso, me cativou completamente. Eu rapidamente me entrosei com aquela turma. Ao chegarmos em Cruz das Almas, só não segui com elas e eles por absoluta falta de dinheiro.  Dois daqueles jovens estudavam agronomia na ESALQ/USP e lembro que um deles falou: “Você estudará com o melhor professor de Solos do Brasil: O professor Joelito!”.

Eles haviam assistido a uma palestra do Professor e estavam encantados com a capacidade de comunicação e conhecimento daquele “Baiano de Aracaju”. O entusiasmo era tanto que o outro estudante logo me disse: “Quando começarem as aulas, procure professor Joelito e se ofereça para fazer qualquer coisa, lavar o laboratório, limpar banheiro, carregar amostra de solos, limpar o sapato dele, qualquer coisa! Mas se aproxime e vá trabalhar com ele!”.  A empolgação daqueles estudantes com o curso de Agronomia e com aquele professor foi decisiva para que eu tivesse certeza de que estava fazendo a escolha correta para o meu futuro!

A viagem com os universitários paulistas e as nossas conversas ficaram guardadas na minha mente! Na primeira oportunidade, ainda no primeiro semestre da graduação, entrei, acompanhado do colega Antenor, no gabinete do “melhor professor de Solos do Brasil” e nunca mais saí. Estou aqui até hoje!

Ser professor é vivenciar uma experiência radical e concreta de imortalidade. O Professor Joelito mudou a minha vida (e de tantos outros) e, podemos, assim, mudar a vida de outros tantos, que farão o mesmo à frente! Como ensina Saramago “se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade de que tanto se fala.”

Foram muitas as aventuras com Joelito. Na graduação, achava ele tão bom que, em segredo, eu o tratava de Jojó de Olivença, célebre surfista à época! Um dia, depois de horas de coleta de amostras de solos no campo, ele me disse: “ A vida é dura, a gente aqui suando para estudar os solos e tem gente que ainda chama a gente de Jojó de Olivença, não é Paulo? ” E deu um belo sorriso! Até hoje eu não descobri quem contou o meu segredo!

Muitas vezes estivemos em lados distintos. Ele sempre respeitou e até incentivou os meus outros caminhos…

Abaixo, um texto que o emocionou muito. Foi escrito pela professora Lícia Barros, Coordenadora do Programa de Iniciação Científica da UFBA na década de 1980. Resume bem o espírito de Joelito de Oliveira Rezende.

RESPOSTA A UM JOVEM PESQUISADOR

Em recente encontro que uniu o VIII Seminário Estudantil de Pesquisa com o III Seminário Universitário de Pesquisa de Docentes, promovido pela Universidade Federal da Bahia, discutiu-se a “Problemática da pesquisa e suas Implicações na produção do conhecimento”.

Nessa ocasião, ante um quadro bastante desfavorável de omissão, de falta de participação dos professores e alunos, um estudante-pesquisador, Paulo Gabriel Soledade Nacif, da Escola de Agronomia, após o debate, falou em nome dos discentes, deixando uma angustiada pergunta no ar: diante de tamanho desinteresse dos professores, muitos deles repetindo as aulas que proferiram há anos atrás, cumprindo uma mera rotina de despejar conhecimentos (alguns deles já ultrapassados), o que seria dele? Se, após repetidas discussões anuais e reiteradas queixas pela indiferença do professorado para com iniciativas de fomento ao ensino e pesquisa, nada mudou, quem iria lhe socorrer e a seus colegas?

A mesa debatedora, a quem foi dirigida a indagação, devolveu-a ao plenário.

Coube à professora Suzana Alice Cardoso respondê-la com excelente reflexão sobre a postura a ser adotada, salientando a importância de Conselhos e Colegiados assumirem, de fato, o seu papel de formuladores da política acadêmica e neles, cada membro, cada professor, decidir-se por uma efetiva participação, colaborando, desse modo, para o crescimento e melhoria da vida da instituição.

Na oportunidade, dado o adiantado da hora, em muito ultrapassado o tempo destinado à mesa redonda, com prejuízo das atividades subsequentes, abstive-me de interceder, o que faço agora, complementando as palavras da Professora Suzana Alice.

Paulo Gabriel,

Para você, que chegou onde está, que vem se dedicando à pesquisa, não há realmente riscos. Seu trabalho, em conjunto com o colega Antenor Aguiar Neto, é excepcional. Concorrendo ao Prêmio Jovem Pesquisador/1988, obteve nota máxima em todos os itens, mereceu louvores de seus examinadores e a ressalva de que não é apenas uma monografia de graduação. É, sem favor, uma autêntica dissertação, em nível de mestrado, de excelente qualidade.

Portanto, você, Antenor, e todos os 429 estudantes participantes do Seminário de Pesquisa, estão a salvo.

Constituem um grupo especial, alerta, quando muitos hibernam. Já encontraram seus caminhos e estão na direção certa. Mas, e os outros? Sua preocupação – altruísta que foi – se estendeu aos outros. Aos demais alunos de nossa Universidade. Sobre eles recai, evidentemente, uma ameaça. O que pode então ser feito?

O quadro não é tão desolador! Há muitos professores cientes de suas responsabilidades, dedicados ao seu mister. Vocês próprios tiveram a chance de conseguir um orientador do quilate do Professor Joelito de Oliveira Rezende, altamente interessado na formação do pesquisador, na melhoria da qualidade do ensino. Como ele, há dezenas de outros. Mas a grande massa estudantil não percebeu, não se interessou, não está usufruindo. Esses mestres passarão e terão que ser substituídos, no futuro.

Então, a solução está exatamente em vocês. Os seus contemporâneos – infelizmente – continuarão alheios aos benefícios.

Mas as outras gerações de estudantes hão de sentir os influxos benéficos advindos da riqueza latente de cada um de vocês – pesquisadores incipientes de hoje. Cada ação, embora isolada, irá contagiando quem lhe rodeia e, como círculos concêntricos, expandindo seu raio de alcance. Na introdução do livro de resumos das Comunicações do último Seminário citei Machado de Assis, ao dizer que “alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões”.

São vocês, estudantes, a âncora, a tábua de salvação! Continuem! Cada um de nós forja o próprio destino, Deus nos deu o poder de “decidir, de perseverar em vez de desistir”. Por isso, parafraseando Og Mandino, escolham crescer… em vez de apodrecer, agir…em vez de procrastinar. Usem com sabedoria o seu poder de escolha. Chegará o dia em que seus planos serão ouvidos pelos outros e “suas palavras se transformarão em feitos realizados”.

A resposta, jovem, está em suas mãos.

 

Salvador, 15 de dezembro de 1988.

Lícia Margarida Senna Borges de Barros

Coordenadora do Programa Estudantil de Pesquisa da UFBA

 

 

 

4 thoughts on “A Eternidade do Professor Joelito

  1. Que maravilha de texto/ reconhecimento ao Mestre Joelito Rezende, e quanto esperançar nas duas narrativas! E você, Paulo, é exatamente um desses bons frutos que germinaram e disseminam com competência e talento.
    Viva a educação, viva a vida, e que Joelito descanse em paz no justo Cosmo.
    Parabéns, pelo belo texto!
    Abraços

  2. CASSIANO SOUSA LEMOS JUNIOR

    Perfeito!! E fez jus à grandeza do mestre Joelito !!

  3. O Professor Joelito deixou marcas em muito de nós. No início da minha carreira docente, fui pressionado para que eu mudasse uma decisão tomada em sala de aula e eu continuei firme com os meus princípios. Meses depois, o Professor Joelito me chamou na Diretoria para me dizer que ele acompanhou atentamente aquele episódio e me apoiou na decisão tomada. Ele nos ajudava a pisar firme no chão da nossa profissão, tanto pelos ensinamentos de solos, quanto pelas lições de ética profissional.
    Parabéns pelo texto, Paulo!
    Abraços

  4. Esse texto me remete ao 29 de julho de 2009 em que, na condição de orador, lhe vi dizer um texto realista, poético, reflexivo e encantador na câmara de vereadores em Cruz das Almas. Essa homenagem ao professor Joelito é digna de quem ele era, do que ele representava, da sua disposição e simplicidade e tem muito da sua capacidade de apreciar detalhes. Professores inspiradores? Encontramos no nosso caminho. Discentes encantados e capazes de aproveitar a riqueza de ter um mestre como Joelito, serão os Joelitos do futuro.

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