O RIO DANDO AULA DE BAHIA

 

Que Beija-Flor linda!

Como não tremer com um samba tão magistral? Naquele 2 de julho o Sol do triunfar/ E os filhos desse chão a guerrear/ O sangue do orgulho retinto e servil/ Avermelhava as terras do Brasil”.

Sabe lá o que é gritar em rede mundial de televisão e computadores que quem comemora o Sete de Setembro é demagogo e que a “Ordem é o mito do descaso/ Que desconheço desde os tempos de Cabral / A lida, um canto, o direito/ Por aqui o preconceito tem conceito estrutural”. A denúncia de um Brasil organizado socialmente sob o preconceito estrutural está lá, expressando a nossa marca mais perversa e de difícil superação!

Já me contaram que no projeto inicial, J.J. Seabra propôs que a Avenida Sete, a mais tradicional de Salvador, tivesse 2 de Julho como topônimo, mas naquele início do Século XX, os financiadores exigiram que ela fosse denominada Sete de Setembro.

O Centro-Sul do Brasil parece odiar o nosso 2 de Julho. Ao editar o Decreto 9.853/2019 que criou a “Comissão Interministerial Brasil 200 anos”, Bolsonaro determinou: “Os trabalhos da Comissão Interministerial Brasil 200 Anos serão encerrados até o dia 1º de março de 2023, mediante apresentação do relatório final”. Ou seja, explicitamente impediu que o nosso 2 de julho integrasse o ciclo de comemorações oficiais do Bicentenário da Independência do Brasil. Alguém precisa sugerir a Lula que corrija e impeça essa agressão ao Povo Baiano. Ainda dá tempo!

Três Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro colocaram a Bahia como enredo em 2023. Além da Beija-Flor, fomos homenageados pela Unidos da Tijuca e pela Estação Primeira de Mangueira. Um dia ainda vou fazer um levantamento de todas os enredos dessas escolas que já trouxeram a Bahia como tema! Esse é um material tão rico que me parece um antídoto perfeito a qualquer problema de autoestima que algum baiano desavisado tenha!

A Unidos da Tijuca cantou Um banho de axé pra purificar/ Um banho de axé nas águas de Oxalá/ Sou tijucano rompendo quebrantos/ Eu canto a Baía de Todos os Santos.”

A Estação Primeira de Mangueira entrou majestosa: Oyá, oyá, oyá eô!/ Ê matamba, dona da minha nação/ Filha do amanhecer/ carregada no dendê/ Sou eu a flecha da evolução/ Sou eu Mangueira, a flecha da evolução/ Levo a cor, meu ilú é o tambor/ Que tremeu Salvador, Bahia/ Áfricas que recriei/ Resistir é lei, arte é rebeldia”.

Enquanto na Bahia “a gente bebe pra sentar” e não vai além da “zona de perigo”, é maravilhoso ver a força do samba-enredo carioca.

O carnaval da Bahia é insuperável, mas até preocupa quando ouço que o carnaval Carioca e Paulista está se “baianizando”. Espero que isso diga respeito à deliciosa cultura de blocos e não às entediantes músicas que ultimamente tomaram conta da cena do nosso carnaval e que não expressam a nossa reconhecida e testada criatividade!

Talvez haja espaço para políticas públicas nesse campo. Como contribuir para um brilho ainda mais reluzente da incrível criatividade baiana? Quantos cariocas participam, todos os anos, dos concursos de sambas-enredo das centenas de escolas de samba das diversas divisões que compõem a estrutura do carnaval do Rio de Janeiro? Isso é um programa de formação continuada (não formal) muito potente! A maior incubadora de talentos musicais do Brasil. O resultado é visível. Imagine os Blocos de Carnaval da Bahia  promovendo festivais de música baiana durante o ano?

A minha esperança está nos Blocos Afro e na criatividade de gente como a turma da BaianaSystem! Os Blocos Afro já emplacaram tantas músicas legais!, eles deveriam investir mais na formação dos seus compositores, como fazem as Escolas de Samba do Rio de Janeiro! Afinal:

“Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade Somos nós a alegria da cidade Apesar de tanto não, tanta marginalidade Somos nós a alegria da cidade”

 

 

16 thoughts on “O RIO DANDO AULA DE BAHIA

  1. A alguns anos atrás. O olodum tinha um diretor de cultural o yle já teve . A mesma pessoa que era diretor de cultura no yle foi diretor cultural do olodum e tornou-se presidente. Era produzido um material para os compositores baseado no tema do bloco com isso eles tinha como produzir suas músicas. Foi assim que surgiu a música faraó. Que alis o nome verdadeiro da música não é faraó.

  2. Texto maravilhoso! Parabéns, Paulo Gabriel!👏🏼👏🏼

  3. valfrido santos filho

    Sou das artes e também por isso desde pouca idade acompanho e admiro os desfiles das escolas de samba do Rio e de São Paulo.
    Sempre me intrigou a obrigatoriedade e relevância da Ala das Baianas.

  4. Parabéns pela provocação, meu companheiro. As Escolas de Samba do Rio têm a Bahia nas suas origens. Os caboclos e pretos velhos de lá já levantaram na Sapucaí o estandarte do 2 de julho. Agora é seguirmos a peleja pelo reconhecimento da conclusão da Independência do Brasil nas Campinas de Pirajá.

  5. Salve, Paulo Gabriel! Saúde e Paz companheiro.

    Por aqui temos o Kandandu quando os blocos afros abrem oficialmente o Carnaval de Luta de Belo Horizonte.
    Luta, inclusive, para que não caiba às pessoas negras o papel de cordeiras, ambulantes, garis e catadoras de reciclável em nosso carnaval popular. Que caiba às pessoas negras serem foliãs no bloco em que quiserem, inclusive nos dos bairros nobres e nos do centro e não apenas nos das regiões periferizadas.
    Abraço saudoso.

    Sigamos nos fortalecendo, Povo Preto🌻

  6. Bravo, Paulo! A Bahia está carente de profundidade, de popularização da alta cultura, educação para o ser.

  7. José Carlos Paulo da Silva

    Que explanação rica e quão orgulhosos nos sentimos em saber que a nossa Bahia é respeitada e cantada com tanto carinho e zelo, por outras bocas que embelezam a nossa cultura.
    A nossa cultura criativa e memória, Perpassa a compreensão daqueles que CEGOS ainda não entenderam a fundo a essência Bahia.
    Não precisamos expor bundas e nem tampouco PORNOFONIZAR as nossas expressões. “Sem essa de beber para sentar” pois é uma forma esdrúxula de prostituir nossa tao rica palavra dita,cantada ou versada.
    Esses passarão sem perceptividade alguma. Nós passaremos exaltando a Bahia e os parceiros que nao sufocam o nosso potencial, pelo contrario, os expõem em suas composições para orgulho da nossa terra.

    Professor Nacif, aceite meu carinho e admiração.

    Isso sim, é baianidade e pertencimento.

    Carlos Silva
    Poeta cantador- Cipó-BA

  8. Sobre a Ala das Baianas

    Foi introduzida no desfile ainda nos anos 1930 como uma forma de homenagem às “tias” do samba, que abrigavam sambistas em suas casas, na época em que o ritmo era marginalizado. É uma ala obrigatória em todos os desfiles de escolas de samba, mesmo não sendo quesito oficial em nenhum deles.

    https://super.abril.com.br/coluna/oraculo/por-que-as-escolas-de-samba-trazem-sempre-a-ala-das-baianas/

    Fonte: Liga Independente das Escolas de Samba (SP)

  9. excelente texto, Paulo. Obrigada!

  10. Talvez o Baiana System seja o maior fenômeno do carnaval. Mas a mídia tem ocultado isso e tem dado ênfase aos de sempre, com uma ou outra novidade que não sabemos se se sustentará para o próximo ano. O trio do Baiana System arrasta a multidão de uma maneira semelhante ao que fazia o Chiclete com Banana. A mídia mostra esse movimento mas não entrevista os músicos e nem dá um zoom sobre os corpos pretos e os protestos que são emitidos desses de cima do trio. Isso é estratégico. Quanto ao carnaval do Rio, podemos pensar também no quanto a Bahia é tema e é usada para alimentar certas ideologias da moda. Mas aí é outra conversa… precisaríamos de mais um tempinho. Obrigado por compartilhar suas reflexões!

  11. A construção do sambódromo foi a institucionalização do carnaval carioca, em particular e dentre outras funções, para abrigar um grande espetáculo a céu aberto. Um equipamento urbano e cultural gerado pelo casamento de ideias do antropólogo Darcy Ribeiro e do arquiteto Oscar Niemeyer. No contexto atual, creio que seja interessante e pertinente pensar esse espaço cênico monumental como locus para o desfile de inúmeras reinterpretações da história brasileira e, sobretudo, da cultura baiana.

  12. Maria da Gloria Moura

    Parabéns!!!! por tão rica explanação . Concordo plenamente com sua fala. Exaltar nossa cultura, valorizar os Afoxés tão marginalizados. Me sentí representada.

  13. JORGE EUMAWILYÊ SANTOS

    Eu creio que a branquitude cansou de verem AS PRETAS NEGRAS NUBIAS VERDADES, encaixarem-se no Carnaval Carioca a desmantelarem AS SUAS brancas, preconceituosas, dircriminatórias e racistas mentiras, num eufemismo que a passarela cinza do sambódromo não mais aguenta não desvelar.

    Os golpes de cultura brasileira, com forte apelo às africanidade’ do continente e ou das “diásporas’, ecoam firme, forte e verdadeiro, lavando com galhardia e sem sangue, os novos destinos do saber Brasil nacional e Internacional.

    Tem o Tom de Racismo Momesco? Logicamente que Sim, pois, os carnaval sulista e sudestino, têem a cãtedra de abrir e apurar os olhares do mundo para os seus “entrudo”, enquanto que o carnaval da Bahia e os do Norte e do Nordeste, seguem felizes a Lampiãonarem.

    Digaí, Candangagens…

    Tenho dito!!!

    ÁGUAS…

  14. Muito linda esta análise dos sambas enredos das Escolas de Samba do Sudeste do Brasil. Os carnavalescos baianos, poderiam fazer alguma reflexão sobre as músicas que são sucesso no nosso Carnaval. Estas são simplesmente ridículas, sem nenhum conteúdo poético ou histórico. Há algum tempo, aqui na Bahia, tínhamos letras e músicas lindas mas atualmente é só apelação sexual. Ninguém merece.
    Precisamos reaprender a fazer boas músicas e a valorizar a história da Bahia. O BAIANA SYSTEM, atualmente é a nossa salvação.
    Obrigada por abrir os nossos olhos, os olhos dos baianas.

  15. Bela provocação, grande Paulo! O governo atual poderia se inspirar em suas reflexões e incentivar projetos inovadores para estimular a criatividade musical dos blocos e escolas que participam do Carnaval da Bahia! Torcemos pir isto!!! Parabéns pela produção, Presidente!!!

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